HPV – Artigo
Conhecida como veneno venéreo desde o século XIV, a infecção pelo papilomavírus humano (HPV) já era relacionada a hábitos sexuais, como à má higiene genital e descargas vaginais. Em 1928, George Papanicolaou já descrevia e trazia ilustradas em artigo científico as anormalidades celulares que hoje são conhecidas e identificadas como efeito citopático, promovido pela ação desse vírus. Contudo, foi com Harold Zur Hausen, prêmio Nobel de Medicina em 2008, que a relação entre o vírus do papiloma humano e o câncer genital ficou estabelecida.
Parasita intracelular obrigatório, o HPV é classificado quanto ao tropismo epitelial em mucosotrópicos, epiteliotrópicos. Transmitido através do atrito, penetra através das microfissuras epiteliais até as células com poder de multiplicação que, no epitélio escamoso, são conhecidas como células basais. Existe um encaixe entre as proteínas virais e proteínas presentes na superfície das células basais (receptores) que permitem a emissão de sinais intracelulares que viabilizam a entrada do vírus no interior da célula. Dentro da célula, o vírus perde o seu capsídeo, e o material genético encaminha-se para o núcleo, podendo dispor de forma epissomal, circular, semelhante a um plasmídeo, não integrando-se ao genoma do hospedeiro ou, por questões ainda não bem estabelecidas, pode o material genético do vírus se linearizar e integrar-se ao genoma do hospedeiro.
Essa integração promove o sequestro de oncogenes importantes no ciclo celular. A proteína do genoma viral E6 sequestra o gene p53, considerado o guardião do genoma humano, que promove o reparo dos danos ocorridos ao material genético da célula hospedeira, induzindo-a à apoptose (morte celular programada), caso o dano seja irreparável. Ao ser sequestrado pela proteína E6 do HPV, permite que o dano celular permaneça, não ocorrendo a apoptose da célula. A proteína viral oncogênica E7, por sua vez, sequestra o gene pRb da célula hospedeira, responsável por regular a divisão celular. Sequestrada, a célula é liberada para a divisão não regulada, o que permite que células com mutações genéticas HPV induzidas multipliquem-se passando as mutações para as células filhas sequenciais, estabelecendo-se a carcinogênese.
Os tipos de HPV, atualmente conhecidos, diferenciam-se em mais de 10% na sequência de aminoácidos dos seus genomas e elevam-se a 100. São classificados, segundo o poder oncogênico, em vírus de baixo, médio e alto risco para a carcinogênese. Sua atuação, no entanto, pode ser limitada por um fator de crucial importância para o portador que é a resposta imune frente à presença do vírus. Os vírus mais encontrados mundialmente, responsáveis por lesões cutâneo-mucosas de caráter benigno, denominadas condilomas acuminados são os tipos 6 e 11. Os tipos oncogênicos mais presentes em todo o mundo em lesões cutâneo-mucosas, denominadas pré-cancerosas e cancerosas dos genitais, são os tipos 16 e 18, os quais costumam promover desorganizações na arquitetura epitelial, classificadas, segundo o grau de comprometimento da alteração arquitetural, em lesões intraepiteliais de baixo grau (lesões virais HPV-induzidas/NIC I) e lesões intraepiteliais de alto grau (NICII/III).
Tais lesões podem incidir nos genitais: colo uterino, vagina, vulva, ânus, pênis, além de poderem ocasionar cânceres de laringe e alguns tipos de câncer oral. Ainda que os exames de papanicolaou tenham reduzido, de modo significativo, a incidência do câncer escamoso de colo uterino, o adenocarcinoma ascende em incidência, mostrando etiologia induzida por HPV de alto risco, em maior frequência, o tipo 18. Os adenocarcinomas exibem, contudo, maior agressividade, maior recorrência, sendo radiossensíveis, e não radiocuráveis. Seu diagnóstico através da citopatologia tem se mostrado falho devido ao desconhecimento dos escrutinadores sobre as alterações morfológicas celulares dessa entidade.
As lesões epiteliais originadas pelo HPV podem ser diagnosticadas pela clínica ( quando observadas à vista desarmada), por exames especializados como citopatologia, colposcopia e histopatologia (lesões subclínicas virais não podem ser visualizadas à vista desarmada) e através de exames de biologia molecular (na presença do vírus na fase latente, na qual, embora presente na célula, não se expressa em forma de lesão e passam desapercebidos pela vigilância imune do portador). A prevenção primária é feita pela vacinação – hoje disponível no mercado, combatendo os principais tipos oncogênicos virais (vacina bivalente – CERVARIX) e outra combatendo os tipos oncogênicos mais comuns 16, 18 e também os vírus da verruga 6 e 11 (vacina quadrivalente – GARDASIL), preconizada atualmente pelo Ministério da Saúde para administração em meninas de 11-13 anos de idade. A vacina quadrivalente pode ser aplicada em mulheres e homens a partir dos 9 anos de idade. A ANVISA abriu o leque de aplicação da vacina para mulheres acima dos 26 anos, tendo em vista um segundo pico de incidência dessa infecção viral em mulheres na faixa etária entre 40-50 anos. Embora absolutamente eficaz e confiável, a vacinação não exime mulheres sexualmente ativas do seu exame periódico de rastreio, o exame de papanicolaou, além das visitas periódicas ao ginecologista.
Dra. Wanuzia Keyla Miranda Moreira